Segurança e acolhimento estão entre as principais preocupações
Já não é novidade que o número de mulheres viajando sozinhas pelo mundo cresce a cada ano e, como a insegurança no caminho ainda é o maior desafio, o aumento na demanda abriu os olhos do mercado para a necessidade de investimentos e iniciativas que apoiem essas mochileiras.
O Brasil é o segundo país no ranking de mulheres que mais viajam no mundo ao mesmo tempo em que foi considerado, pelo Women’s Danger Index, o segundo país mais perigoso para mulheres viajantes em 2019.
O índice de periculosidade foi criado pelos jornalistas especialistas em segurança de viagem, Asher e Lyric Fergussonm, e classifica os 50 países com mais turistas internacionais usando oito fatores, como segurança nas ruas, discriminação e desigualdade de gênero.
Por isso, não é de se espantar que as empresas do setor turístico e de hospedagem comecem a perceber a necessidade de olhar com atenção para as demandas do público feminino.
O MAIOR EVENTO DE MULHERES VIAJANTES DO BRASIL
Desde 2017, a jornalista e turismóloga Gilsimara Caresia promove o Encontro Brasileiro de Mulheres Viajantes. O evento é o maior no país e tem como objetivo compartilhar as experiências de viajar solo como ferramenta de transformação, empatia e empoderamento.
O evento já recebeu mulheres de 16 estados, de 16 a 78 anos, todas focadas em aprender sobre viagens, compartilhar histórias e perder o medo de viajar na sua própria companhia.
Gilsimara também criou o projeto GirlsGo, que leva grupos de mulheres para viajar o Brasil e o mundo. Nessa mesma onda, começaram a surgir grupos de viagem e plataformas para conectar mochileiras e anfitriãs, como a WomanTrip e a SisterWave.
Outra iniciativa incrível, que a gente já mostrou em detalhes aqui, é o mapeamento nacional dos hostels geridos por mulheres, feito pela Rede Local Hostel, de Manaus.
O foco dessas iniciativas e propostas é assegurar às mulheres viajantes a segurança de saber sobre quem vai as receber, ou mesmo se o hostel onde se hospedarão é gerido por uma mulher.
As plataformas tradicionais de reservas não contemplam esse tipo de informação e, dependendo do destino, muitas mulheres desistem de viajar por medo de não conseguirem se defender de um possível assédio, por exemplo. Ao saber mais sobre a anfitriã, a viajante ganha pontos de segurança.
A mineira Amanda Campos viaja com frequência e aprova a aposta do setor. “Não tive muitas oportunidades de conhecer o administrador dos locais onde me hospedei, mas todas as vezes que tive chance, eram mulheres, e achei o local mais receptivo. Hoje tenho me atentado mais a isso e procuro sempre apoiar locais com mulheres no comando.”
A mochileira, Jéssica Nascimento, concorda e reforça a importância das avaliações. “Eu acho que hostel comandado por mulher tem o ambiente mais familiar, acolhedor. Mas também sempre olho a pontuação do local.”
Atualmente, um dos maiores aliados das viajantes são as avaliações e a rede de suporte que os grupos de facebook e telegram criam, com relatos reais e informações importantes dos destinos.
Educar empresas e viajantes
Com mais de 35 anos na hotelaria tradicional, a empresária carioca Daniela Falcão, acompanhou o processo da mulher turista sozinha todos esses anos. Ela conta que a percepção das necessidades desse público cresceu ao comprar um hostel no Rio de Janeiro, em 2017.
“Comecei a pensar em como atender esse perfil de viajante no meu empreendimento. Entrei em grupos, conversei com muitas mulheres e criei um procedimento dentro do hostel para que elas se sentissem acolhidas”, afirma Daniela.
Foi pensando nessa rede de contatos e autovalidação que ela desenhou o Projeto HUG, com objetivo de criar uma grande rede de segurança, respeito e acolhimento para que as mulheres possam viajar sozinhas e terem seus direitos de cidadãs livres garantidos.
O que o mercado tradicional demorou para perceber, Daniela sentia na pele e nas conversas nos grupos de viagem em que relatos de assédio, olhares tortos e invisibilidade feminina são constantes, independente do destino.
“Fiz uma pesquisa 2 anos atrás e comecei a ampliar a visão, deixei de ver somente dentro da hospedagem e comecei a ver o dia a dia da viajante para coisas simples, como ir a um restaurante ou mercado, com as diferenças culturais de cada país”, revela a ex-hosteleira.
O projeto pretende educar empresas e viajantes, além de conectá-las de maneira segura. Os estabelecimentos que fizerem parte do HUG receberão manual de boas práticas, treinamento de equipe e um selo de certificação internacional.
Ela não quer limitar o projeto apenas à acomodação. A ideia é que a rede vá além, abrangendo bares, restaurantes, agências e guias de turismo; conscientizando todos os participantes do setor de hospitalidade sobre a responsabilidade de garantir segurança para as viajantes e funcionárias das empresas envolvidas.
Do outro lado, as viajantes que participam do projeto receberão suporte direto através de um canal imediato de comunicação, catálogo das empresas certificadas e toda informação necessária para viajar sem dor de cabeça, como números de telefone de consulados e organizações úteis em caso de problema.
“O projeto vai funcionar como um clube, uma rede de apoio onde não vamos vender nada. Vai ser completamente gratuito para as viajantes e para as empresas que queiram participar”, diz a criadora do HUG.
O pontapé do projeto foi dado em Março, mas por conta do avanço da pandemia tudo ainda está caminhando a passos lentos. Mas Daniela já garantiu parcerias do HUG por todo o Brasil e na Argentina. Vamos esperar ansiosas!
Encontros, discussões, grupos de apoio, mapeamento… todas essas iniciativas surgem da necessidade urgente de olhar para o público viajante feminino além dos números, seja você um viajante ou empreendedor do mercado.
Elas estão por aí e não vão parar de viajar e de exigir empatia e respeito quando necessário, cabe ao mercado se antecipar a essa dor e acolher nossas mochileiras como só a hostelaria sabe bem.