Vocês já viram no meu primeiro texto por aqui que existe uma Mulherada Hosteleira forte no Brasil, porém muita gente só descobre que o empreendimento é gerido por uma mulher depois do check-out. Mas e se você, viajante, pudesse descobrir isso antes? 

No mapa você poderá ver por onde estão os hostels geridos por mulheres, os detalhes de cada negócio e também imagens das acomodações. A ideia é que mulheres com receio de viajar sozinhas, possam ter a segurança de ficar em um hostel com mulheres na linha de frente. Reprodução

O Grupo Local Hostel pensou nisso, fez um mapeamento inédito dos locais com esse perfil e divulgou nas suas redes sociais. A ação fez parte das celebrações do mês de março e homenageia as mulheres incríveis que estão à frente de seus negócios. 

“O nosso objetivo desde o começo era juntar a mulherada hosteleira num mapa de fácil acesso e que todas ficassem fáceis de serem encontradas. Além de utilizar a ferramenta Google Maps, decidi postar um hostel por dia, durante todo o mês de março no instagram do Local Hostel, explicou Camilla Gonçalves, a responsável por essa pesquisa e CEO do grupo.

O mapa já conta com 75 hostels e está crescendo. “Essa ação vem para fortalecer nosso mercado hosteleiro, o empreendedorismo feminino e dar voz a tantas mulheres trabalhadoras que estão fazendo acontecer o turismo no Brasil”, reforça Camilla.

A iniciativa faz parte de um comprometimento do Grupo Local Hostel com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas para acabar com a pobreza, proteger o planeta e assegurar que todas as pessoas tenham paz e prosperidade.⠀

Camila Gonçanvez, CEO do Grupo Local Hostel, é uma das hosteleiras mais ativas no mercado. Quando abriu a unidade do hostel em Presidente Figueiredo, pegou suas malinhas e foi morar na terra das cachoeiras, a 170 km de Manaus, para garantir que o negócio teria seu jeitinho. Divulgação

São 17 pautas que nasceram na Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável em 2015, no Rio de Janeiro. O mapeamento feito pelo Local Hostel se enquadra no ODS de número 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Mesmo objetivo defendido pela jogadora Marta, Embaixadora da Boa Vontade da ONU Mulheres. 

“Com isso, pude ver como precisamos, de fato, empoderar mulheres e meninas. Levantar a bandeira do feminismo, reforçar o discurso de igualdade de gênero e fortalecer nossa rede. Eu vi mulheres incríveis, donas da porra toda, que precisam de apoio, precisam ser lembradas todos os dias o quanto elas são foda. E que são tão importantes quanto qualquer homem que também esteja na mesma posição, mas que por uma cultura de patriarcado, estão com mais holofotes do que elas.”

HOSTEL LIDERADO POR MULHER FAZ DIFERENÇA?

Para as viajantes, o mapa é uma luz no fim do túnel. A gaúcha Camila Torrada confessa que nunca pensou em escolher um hostel por esse motivo, mas que a iniciativa pode ajudar muita mochileira de primeira viagem.

Assim como Camila Torrada, mochileira gaúcha, a tendência é que cada vez mais mulheres viajem, escolham hostels e descubram uma nova forma de viajar, inclusive sozinhas. Arquivo Pessoal

“Acho que tem tudo para se tornar um projeto maior ainda – que vai abrir o mundo dos hostels para mulheres que nunca ficaram em um, e que estão cheias de vontade de viajar depois que a pandemia acabar”, diz Camila.

Pode não parecer em um primeiro momento, mas isso tem se tornado aos poucos um diferencial na escolha dos viajantes.

De acordo com a última pesquisa lançada pela HostelWorld sobre o perfil dos usuários, em 2019, o público da plataforma já era formado 60% por mulheres, viajando a baixo custo e em busca de estadias mais longas. Esse cenário tende a ser ainda mais forte no pós pandemia, com a maioria dos escritórios trabalhando com home office.

E na hora de buscar uma hospedagem para temporadas mais longas, critérios como segurança e limpeza ainda são os principais fatores elencados pelas mulheres nessa escolha.  Claro que existem diversos hostels que se enquadram nesse perfil, sem necessariamente ter uma mulher no comando, e as avaliações estão aí justamente para fortalecer isso.

“Boas recomendações são muito importantes, mas a maioria das hospedagens que eu já fiquei, era sempre uma mulher que tocava o negócio. Somos boas nisso!”, reforça a mochileira. Atenção aos detalhes, cuidado com a comunicação e acolhimento também são pontos mencionados pelas viajantes nessa seleção. 

ONDE ESTÃO ESSAS MULHERES?

Mais do que divulgar esses hostels, o mapa traz um dado interessante para o mercado hosteleiro. Dos quase mais de 480 hostels encontrados no sistema Cadastur, menos de 1/3 são de gestão feminina. Ou pelo menos, esse é o cenário conhecido atualmente.

Mesmo assim, o número de hostels mapeados até agora gerou surpresa na idealizadora do projeto. “Eu achava que conhecia muita hosteleira, mas minha bolha está menor do que eu pensava. Tenho certeza que esse número deve ultrapassar 100”, comentou Camilla Gonçalves.

Duas associações importantes do setor são presididas por uma mulheres, a RioHost e a ABHostels (Associação de Hostels e Novas Hospitalidades), isso só confirma o crescimento delas no mercado. 

Fernanda Ferrão comanda o Gaia Hostel, em Botafogo, e desde 2018 está à frente da RioHost, associação de hostels e de bed and breakfasts (cama & café) do estado do Rio de Janeiro. Ela confirma o que o cenário já demonstra: ainda há muito machismo no ramo turístico no Brasil.

Representar o setor é matar um leão por dia! O turismo é machista. Além de presidir a RioHost eu faço parte do Sindicato dos Meios de Hospedagem do Rio de Janeiro; e quando sentamos para uma reunião, agora virtuais, de 30 participantes temos 5 mulheres. É bem difícil.

FERNANDA FERRÃO

Fernanda também fala sobre a falta de informação dentro do próprio mercado que, por ser composto por muitos representantes de hotéis de alto padrão, ainda há um desmerecimento do mercado hosteleiro, tão importante para a cidade cartão-postal do país.

Há anos no mercado de turismo no Rio de Janeiro, Fernanda Ferrão, hoje dona de um dos hostels mais bem avaliados da cidade, ainda tem que enfrentar a desconfiança de outros representantes do mercado, majoritariamente homens. Divulgação

“Estamos em um estado (Rio de Janeiro) que geralmente é porta de entrada para o estrangeiro no país, e por isso tem toda uma hotelaria estruturada, mas em reuniões grandes do setor, com representantes de diversos meios de hospedagem ainda escutamos a pergunta ‘Mas o que é hostel?’ ou a frase ‘Só colocamos vocês aqui porque é obrigatório’. Falta muita informação”, desabafa a hosteleira carioca.

Para mudar esse cenário a fórmula é clara: trazer mais mulheres para o foco.

Por isso, a ideia do Local Hostel é que mais empreendedoras se juntem ao mapa. Então, se você é hosteleira ou conhece algum hostel que não esteja lá, basta mandar uma mensagem para a equipe do Local Hostel para incluir a propriedade no mapa. 

Para Camilla o resultado do projeto foi um sucesso e uma experiência única na sua carreira. “Tive a oportunidade de conversar com hosteleiras de Norte a Sul do país e trocar ideias sobre o mercado, empreendedorismo, pandemia e os milhares de desafios. Vi mulheres que estão sozinhas administrando tudo, outras tem sócios, colaboradores, voluntários, redes de apoio e tudo mais para fazer a roda girar. Uma experiência que vou levar pra vida toda.” 

É por iniciativas como essas que o mercado hosteleiro é tão maravilhoso, empático e diverso. E para ver o mapa completo e descobrir todos os hostels já catalogados por esse projeto incrível, é só clicar aqui!