Esse tal de jornalismo…

Acho que o jovem aspirante a repórter ficaria feliz com o rumo que as coisas tomaram

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Foram tardes e mais tardes jogado no sofá de casa hipnotizado por um programa de entrevistas, lá nos anos 90. O Sem Censura, comandado pela Leda Nagle na TVE, me encantava. A forma de lidar com uma bancada diversa, pessoas de diferentes áreas, fazendo todos assuntos se integrarem com suas intervenções marcadas pela voz já rouca. Acho que essa é a primeira memória que tenho de pensar em ser jornalista. 

A primeira entrevista foi para um trabalho de escola, que uma amiga e eu resolvemos inovar e fazer em vídeo, com direito a levar a classe para a sala de “multimeios” para a apresentação num potente videocassete. Entrevistamos meu pai sobre o Metrô de São Paulo, com direito a imagens do metrô e edição, que não consigo lembrar como fizemos.

A sensação de ganhar meu primeiro gravador de voz, com aquelas mini-fitas K7, é presente até hoje. Eu saí gravando tudo. Conversa de família, minha voz narrando o caminho para a escola, andava com o gravador no bolso, sempre pronto para um furo.

Já para a segunda metade dos anos 1990, meu pai – que também gosta de um microfone e de um palco – começou a fazer um programa na rádio comunitária da cidade. O humilde estúdio era para mim um lugar mágico. Dalí a gente transmitia para a cidade toda, fazíamos “link” ostentando um celular tijolão. Lembro até hoje do cheiro do carpete nas paredes.

Quando chegou a hora da universidade, não tive dúvida. Entrei como um clássico adolescente, ainda com 17 anos, cheio de romantismo e com uma visão ingênua da profissão que o quase quarentão de hoje acha até fofo! A ideia era estar, em alguns anos, em algum bar bem boêmio depois de passar o dia apurando coisas na rua, escrevendo entre a fumaça de charutos e goles num whisky bom.

Esse não foi o primeiro, mas ostentava muito com um desses lá no início dos anos 2000. Arquivo pessoal

Porém, logo no início da graduação os professores sabiamente fizeram questão de nos puxar à realidade, mas sem perder o tesão pelo fazer jornalístico. O mercado de trabalho se mostrou bem diferente, absorvendo os jovens estagiários nas assessorias de imprensa. Passei por diversas agências, no começo fazendo o trabalho mecânico do processo e aos poucos entendendo melhor o que eu fazia ali.

Algumas vezes, infeliz com alguns trabalhos, cheguei a questionar a escolha. Mas o tempo fez seu trabalho, a maturidade foi chegando e fui conseguindo guiar minha carreira para algo mais próximo ao meu propósito de vida. 

Assessorar projetos de cultura, cinema, teatro, literatura e noite, me fez olhar diferente para o trabalho de comunicador, me sentia hackeando o sistema e abrindo espaço para projetos incríveis na grande imprensa. Aí as coisas começaram a fazer sentido. 

Pautas como a primeira campanha, em 2010, em apoio ao casamento igualitário e um filme que abordava a adoção por casais homoafetivos, me mostraram que sim, aquele sonho do garoto adolescente de mudar – pelo menos um pouquinho – o mundo, até que poderia rolar.

A roda girou e o mercado de hostels apareceu na minha vida. Nem posso dizer que chegou de mansinho, foi uma avalanche. Mergulhei como nunca antes tinha feito em um negócio. Fiz de tudo, de voluntário a sócio. Ainda vou contar mais dessa história doida aqui nesse blog. 

Até que resolvi voltar ao mercado de jornalismo e não tinha sentido escrever sobre outro assunto. Percebi um vazio na cobertura jornalística especializada, sem espaço para tudo de inovador que os hostels do Brasil estão criando.

Com a tecnologia, qualquer lugar pode virar um estúdio de gravação! Reinvenções de pandemia. Arquivo Pessoal.

Surgiu o Brasil Hostel News, esse projeto que eu tenho um carinho imenso e que me fez novamente sentir orgulho de ser jornalista. Queria que o menino Diego me visse no momento em que escrevo esse texto, de frente para a piscina do Hostel da Vila, em Ilhabela. Conseguimos, moleque!

Não passo o dia nas ruas apurando e nem rabisco meus textos de algum boteco sujo. Mas trabalho viajando, uma das coisas que mais me dá prazer na vida. As histórias que o jovem repórter achava que ouviria de bêbados em algum balcão da boca do lixo, são ouvidas nas áreas comuns de hostels por viajantes do mundo todo. Alguns bêbados, é preciso dizer.

Ser jornalista no Brasil é historicamente uma vocação de resistência. Resistir ao mercado que não está dos melhores – e não é de hoje; à necessidade de constante reinvenção para não ser atropelado pela tecnologia; resistir aos crescentes ataques à profissão. Resistir!

Mas mesmo com todos os percalços, com a dificuldade em se manter como jornalista independente, sem se render às armadilhas éticas, não me vejo fazendo outra coisa.

Nesse dia do jornalista, só tenho a agradecer por poder ser um contador de histórias; ter entrevistado pessoas de quem sempre fui fã e conseguir hoje unir meu ideal de vida viajante à profissão que escolhi lá na virada do século.

Durante esse dolorido 2020, me vi obrigado a sair de trás do teclado e ir pra frente da câmera. Lives, programas de entrevistas e uma nova possibilidade se apresenta. Ainda estou tentando entender algumas coisas, me entender com alguns equipamentos e driblar algumas desconfianças.

Mas vou continuar por aqui, firme e forte, descobrindo as histórias dos hostels pelo Brasil. Entrevistando “essa gente de hostel” tão interessante que conheço pelo caminho e documentando esse setor que é um dos negócios mais humanizados que eu já conheci.

Se quiser acompanhar essas minhas viagens, que já adianto que nem sempre são geográficas, é só chegar que sempre vou rabiscar algumas coisas por aqui.